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Gorgonzola, por Clarice Niskier
por Valéria Scavone
GORGONZOLA
Não sou mais um queijo Minas Frescal, não sou mais uma Ricota, não sou um queijo amarelo qualquer para um lanche sem compromisso.
Não sou para qualquer um, nem para qualquer um dou bola, agora tenho status, sou um queijo Gorgonzola.
“Estamos envelhecendo, estamos envelhecendo, estamos envelhecendo”, só ouço isto.
No táxi, no trânsito, no banco, só me chamam de senhora.
E as amigas falam “estamos envelhecendo” como quem diz “estamos apodrecendo”.
Não estou achando envelhecer esse horror todo.
Até agora.
Mas a pressão é grande.
Então, outro dia, divertidamente, fiz uma analogia.
O queijo Gorgonzola é um queijo que a maioria das pessoas que eu conheço gosta. Gosta na salada, no pão, com vinho tinto, vinho branco, é um queijo delicioso, de sabor e aroma peculiares, uma invenção italiana, tem status de iguaria com seu sabor sofisticadíssimo, incomparável, vende aos quilos nos supermercados do Leblon, é caro e é podre.
É um queijo contaminado por fungos, só fica bom depois que mofa. É um queijo podre de chique.
Para ficar gostoso tem que estar no ponto certo da deterioração da matéria. O que me possibilita afirmar que não é pelo fato de estar envelhecendo ou apodrecendo ou mofando que devo ser desvalorizada.
Saibam: vou envelhecer até o ponto certo, como o Gorgonzola.
Se Deus quiser, morrerei no ponto G da deterioração da matéria.
Estou me tornando uma iguaria. Com vinho tinto, sou deliciosa.
Aos 50 fui uma mulher para paladares variados, aos 70 sou uma mulher para paladares sofisticados.
Não sou mais um queijo Minas Frescal, não sou mais uma Ricota, não sou um queijo amarelo qualquer para um lanche sem compromisso.
Não sou para qualquer um, nem para qualquer um dou bola, agora tenho status, sou um queijo Gorgonzola.
– texto por Clarice Niskier
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