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Ousadia: chefs franceses querem usar pássaro em extinção para manter tradição gastronômica
por Valéria Scavone
Quatro grandes nomes da gastronomia francesa estão reivindicando o direito de dar continuidade à tradição de seu país: servir ortolans, um pássaro ameaçado de extinção.
Entre os pesos pesados que vem lutando por este direito (animal) estão Michelin Alain Ducasse, Michel Guérard, Jean Coussau e Alain Dutornier. Desde 1999 é proibido na França a captura, a comercialização e o consumo de pequenos pássaros em extinção. Mas a fiscalização rigorosa começou apenas em 2007.
Desde este decreto, o quarteto entrou com um pedido formal ao governo da França para que eles possam servir, pelo menos um dia por ano, o ortolan, banido da gastronomia francesa há 15 anos.
A ave tinha como tradição gastronômica ser capturada no meio de sua migração do norte da Europa para a África. Utilizando caixas pretas com apenas dois orifícios, os ortolans ficam presos sendo alimentados forçosamente com um milho especial. Passadas três semanas, já estão “no ponto” e vão às mesas assados inteiros depois de terem tomado um banho de armagnac.
Para servir, é comum um pano ou guardanapo na cabeça do pássaro para manter os aromas de sua carne delicada ou, como alguns mais tradicionais dizem, esconder de Deus o ato de deglutir o passarinho. Come-se colocando a ave inteira na boca. Com osso e tudo.
Os ortolans são bichinhos que estão ameaçados de extinção e fazem parte da Red List (Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais), mas para os 4 estrelas da gastronomia francesa isso não importa muito.
Para eles, a proibição total do governo, acaba com séculos de tradições e costumes e ainda estimula o mercado negro com a venda do pássaro a preços exorbitantes. Na França, cada “peça” de ortolan pesa aproximadamente 25 gramas e custa cerca de € 200 (quase R$ 600).
Ao serem questionados quanto ao respeito à ave em extinção, os célebres cozinheiros dizem que entendem o posicionamento das associações de proteção aos animais, mas também defendem que é preciso respeitar a história do consumo da ave e transmiti-la às novas gerações.
Sugerir que a periodicidade para comer o animal em extinção seja apenas uma vez ao ano, em nome da gastronomia tradicional, não santifica nenhum dos quatro grandes chefs.
Se há a proibição do consumo dos ortolans por estarem em extinção e na Red List, estes 4 nomes célebres devem respeitar, com afinco e prudência, as consequências da tradição da gastronomia, e passar para outras gerações, apenas a história que um dia alimentou os pratos dos endinheirados do país gaulês.
Assim como o respeito, o ortolan é uma ave rara. E tudo deve ser pensado em nome da natureza, do mundo animal e da preservação do que ainda existe.
Amém!
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